Eu e o Futebol: Mané Garrincha; um anjo, um deus, ou um demônio de pernas tortas? Parte 1


Emílio Antônio Duva

Se há um deus que regula o futebol, esse deus é sobretudo irônico e farsante, e Garrincha foi um de seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de todos, nos estádios. Mas, como é também um deus cruel, tirou do estonteante Garrincha a faculdade de perceber sua condição de agente divino. Foi um pobre e pequeno mortal que ajudou um país inteiro a sublimar suas tristezas. O pior é que as tristezas voltam, e não há outro Garrincha disponível. Precisa-se de um novo, que nos alimente o sonho.”
Palavras de Carlos Drummond de Andrade no dia 20/01/83 –
dia em que falecia Garrincha “alegria do povo”.

Reza-se no mundo do futebol que certas coisas só acontecem no Botafogo (RJ). Verdades ou coincidências à parte, regadas de boas doses de folclore, ou puras e simples mazelas de reles mortais, acontecem sim. Uma delas foi que no comecinho dos anos 50 em General Severiano, aportou um mulatinho de pernas tortas, levado por Araty (zagueiro do Bota naquele tempo). A perna direita era um semi-arco para a esquerda, e a esquerda circundava para a direita. De jeito humilde, tímido e calado, conta-se, que ele não se deslumbrou, e nem pouco tremeu quando pegou a bola e meteu entre as pernas do lendário Nilton Santos. Logo depois, aplicou um drible - que se tornaria marca registrada dele -, no respeitável atleta, que imediatamente parou o treino, pegou a camisa do então titular e entregou-a a Manoel Francisco dos Santos, o nosso inesquecível Mané Garrincha.
Nilton Santos, depois foi tratado por Garrincha, por “um tal de Nilton Santos”, haja vista que nos campinhos do longínquo e pequenino bairro de Pau Grande (RJ), Garrincha tinha por marcadores, os pobres coitados: Pincel e Suingue.
E a vida fluía naquela corrutela carioca, onde o jovem caçador de garrinchas – passarinho cujo nome cientifico é thryothorus - e simples operário da grande fabrica de tecidos, teria o mundo a seus pés, com suas formidáveis pernas tortas, e com dribles demoníacos (que o digam Coronel (Vasco), Jordan (Mengo), Vilela (Flu) e alguns Gustavssons, da qual não guardando nomes complicados dos gringos, tratava-os de “Joãos”.
Conta-se que em plena Copa do Mundo de 1958, contra a temível Inglaterra, no intervalo do jogo, o então já compadre Nilton Santos chega a Mané Garrincha e fala:
- Mané, o médio volante deles disse-me que você é veado.
- O que é isso de médio volante? Pergunta-lhe Garrincha.
- Ora, é o mister Flowers. Retruca-lhe Nilton.
- Não entendo palavra americana.
- Porra Mané, é o numero 5 deles, entendeu?
- Ah... Agora entendi. Deixa ele comigo...
E veio o segundo tempo. Garrincha pegava a bola driblava o lateral esquerdo, voltava, driblava-o novamente, voltava e partia para cima de Flowers, que assustado e zonzo pelas fintas, não entendia tamanha humilhação aplicada por parte daquele mulato envergando uma camisa amarela, como se estivesse brincando, porém o placar foi de 3x1, com 2 gols de Garrincha.
Diz a lenda, que Mané comentou com Pelé & Cia., que “o torneiozinho (a Copa) foi muito curtinho.” E quando ele viu a Tchecoslováquia entrar em campo para enfrentar o Brasil, comentou com seu compadre o que o São Cristovão estava fazendo naquele lugar.
Coisas da vida, coisas da bola... Até a próxima edição, com a segunda parte de alguns momentos da vida de Manoel Francisco dos Santos, o Charles Chaplin do futebol.

Um comentário:

Paulo Fernando disse...

Grande Milinho Duva. Uma salva de rojões pelo seu belo texto. O Mané merece. Ele foi mesmo a "alegria do povo".