CINEMA


A religião no Cinema Brasileiro

Marco Antônio de Oliveira
Jornalista e escritor


A cultura brasileira do final dos anos 60, digamos, pós Terra em Transe (Glauber Rocha), em que o universo da burguesia começa a se descortinar representou a perda de inocência diante da sociedade de consumo, e mobilizou o dinamismo do próprio mercado para tentar uma radicalização de seu poder dissolvente do lado patriarcal, coisa de família, da religião e da tradição nacional. A censura teve peso considerável no período 1964/84, que atingiu grande parcela da produção independente de autores ligados ao que ficou rotulado de cinema marginal e adiou a circulação de filmes como "O País de São Saruê" (Vladimir Carvalho, 1971), "Os Homens que eu Tive" (Teresa Trautman, 1973), Iracema (Bodansky/Senna, l975) e "Em nome da Segurança Nacional” (Renato Tapajós, l984).
"O Amuleto de Ogun" (l974), de Nelson Pereira dos Santos, lança a proposta de um Novo Cinema Popular. A idéia central é respeitar as referências culturais e os valores do povo. Em "O Amuleto", tudo gira em torno da umbanda, e Nelson não só faz da visão religiosa o dado central da vida das personagens que, como se continuassem "Vidas Secas", emigradas para a cidade grande, se envolvem num mundo de contravenção e crime na Baixada Fluminense.
Após a retomada dos anos 90, o cinema brasileiro tem tocado a questão religiosa como forma de resgatar uma pluralidade característica do Brasil de hoje esbarrando no tema da identidade nacional e a correspondência entre religião e Brasil. Segundo Igor Sacramento, publicado em Reator, de 2004, " o cinema brasileiro levantou importantes questões sobre o fenômeno religioso como "Baile Perfumado"(1966), de Paulo Caldas e Lírio Ferreira , buscando resgatar a influência de Padre Cícero e "Central do Brasil"(l999), de Walter Salles, que traça o caminho da redenção transformando a personagem de Fernanda Montenegro como abençoada.". Nessa mesma trilha, baseado no livro "Os Sertões", de Euclides da Cunha, seguiu o diretor Carlos Augusto Oliveira, com "Antônio Conselheiro e a Guerra dos Pelados" (l977) narrando a epopéia de Canudos nos locais onde ocorreram os fatos, misturando ficção e documentário.
"Santo Forte" (1997/9), de Eduardo Coutinho, premiado em diversos festivais, é um documentário, que através de depoimentos de moradores, abre uma janela para o mundo místico e social de uma comunidade pobre da Zona Sul carioca e mostra o cotidiano místico e religioso do brasileiro. "O santo Milagroso" (l966), de Carlos Coimbra retrata numa pequena cidade, um pastor e um padre disputando a liderança espiritual da população; "Saravá, Brasil dos Mil Espíritos" (1974), de Miguel Schneider, é um documentário filmado exclusivamente em terreiros e centros espíritas, durante a realização das cerimônias. Outros filmes que tratam da fé, dos costumes, folclore e da crença popular são: "Fé" (l999), de Ricardo Dias; "Orí" (1989), de Raquel Gerber; "Casa Grande & Senzala" (2000), baseado no livro de Gilberto Freyre, de Nelson Pereira dos Santos.
Filmes atuais: o "Deus é Brasileiro" (2002), de Carlos Diegues, inspirado no conto "O santo que acredita em Deus", do escritor João Ubaldo Ribeiro; na mesma linha de ficção, o filme de Cláudio Torres, “O Redentor” arrebatou aplausos no Festival Internacional de Berlim; "O Auto da Compadecida" (2000), comédia dirigida por Guel Arraes e baseado na obra de Ariano Suassuna critica fortemente a Igreja Católica na figura do padre e do bispo, que por dinheiro aceitam fazer o enterro do cachorro da mulher do padeiro e louvando o talento natural do brasileiro, do pobre capaz de sobreviver a tudo através da esperteza.
Aparece no julgamento dos personagens que morreram: um Cristo negro, um diabo bem maquiado e Nossa Senhora vestida de Aparecida. Agora os tempos são outros, onde o sagrado é tratado popularmente pelo cinema. Antigamente, nos anos de nossa juventude a religião era seguida à risca, e os filmes da "Paixão de Cristo" eram mudos para não profanarem a fé cristã.

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