Marco Antônio Soares de Oliveira
Jornalista e escritor
Desde os bancos escolares já tinha como livro de cabeceira “Geografia da Fome” (o dilema brasileiro: pão ou aço), do mestre Josué de Castro, que traça com fidelidade o perfil da fome em nosso país. O livro escrito há mais de 50 anos é sempre atual. Tenho em mãos o exemplar de 2005 editado pela Civilização Brasileira, do Rio de Janeiro. Apresenta esta nova edição o professor Milton Santos, geógrafo dos mais ilibados defensores do meio ambiente e dos direitos humanos. Como disse antes, o livro é tão atual que o autor abordando o capítulo sobre a Amazônia já dizia (pág. 42) que “Desde os primeiros tempos de ocupação do vale amazônico, que o reino de Portugal começou a incentivar nesta região da colônia “a colheita da droga” para compensar o seu desapontamento comercial com a colheita da especiaria do Oriente, dificultada em extremo pela concorrência de outros povos também navegadores traficantes; a coleta das plantas de temperos medicinais e de vícios que abundavam na floresta amazônica”.
Dizemos nós agora que o furto e a exploração de plantas pelas multinacionais prosseguem até hoje descaradamente diante da vista grossa de nossas autoridades. Sobre a área nordestina o autor diz na pág.199 que “com as secas desorganiza-se completamente a economia regional e instalá-se a fome no sertão. Nestes sinistros períodos as culturas desaparecem dos roçados com as sementes enterradas na poeira esturricada ou com as plantas tenras dessecadas pela soalheira. O pasto seco se esfarinha e é arrastado pelos ventos de fogo, ficando o gado à mingua de água e alimento. Diz que nessa época acontece o despovoamento da região não só dos animais domésticos, como os que fazem parte da fauna nativa, que emigram ou são dizimados.
A obra de Josué de Castro ajuda a gente refletir como alimentar a humanidade neste século. O ser humano tem a preocupação constante de obter alimento para sobreviver mais um dia. Desde que foi descoberta a agricultura, nossa população explodiu. Direta ou indiretamente, quase tudo que comemos se origina na agricultura. Entre 1900 e 1950, a população humana cresceu a uma taxa correspondente a 10 milhões de pessoas por ano. Entre 1990 e o ano 2000, essa taxa subiu para 100 milhões de novas bocas por ano. Segundo o biólogo Fernando Reinach, em artigo no Estadão de 24/04/08, pág. A28: “Hoje somos 6 milhões de pessoas e a população cresce mais lentamente. Nos próximos 25 anos, teremos que aumentar a produção de alimentos para acomodar 90 milhões de bocas. Some a esse desafio a tarefa de acabar com os 500 milhões de famintos.” O economista e demógrafo inglês Thomas Malthus (17666-1834) previu, no século XVIII, que no futuro não haveria comida em quantidade suficiente para todos. Como informa a reportagem de R.F. na revista Veja, de 23/04/08, pág.68 que o Banco Mundial previu que 100 milhões de pessoas poderão submergir no clima que separa a pobreza da miséria absoluta devido ao encarecimento da comida. Diz a reportagem que a alta do preço dos alimentos é que assusta, mas não condena o mundo à fome. “ Apesar de tantos fatores a empurrar para cima o preço dos alimentos, é preciso dizer que as notícias não são exatamente ruins quando se pensa no futuro da humanidade. “Em alguns países, produzem-se alimentos suficientes para toda a população nacional e para exportação. Então a questão não é o tamanho da população, mas a tecnologia que está sendo usada e o investimento que está sendo feito”, disse a Veja o diretor-geral da FAO, Jacques Diouf.”
Lembro-me de um filme que assisti há muitos anos, não me recordo bem do nome, que tratava desse assunto: a fome mundial...Numa cidade americana, a população ia a uma praça em determinada dia da semana adquirir o chamado “caldo verde”. Um dos habitantes suspeitou desse alimento, pois não havia nada de comida na face da terra e no fundo dos mares. Seguiu o carro da Prefeitura que trazia o “caldo verde”. Descobriu: era constituído de cadáveres que misturado a cor, tornavam o alimento substancial para o sustento da população. Quer dizer: o próprio povo alimentando-se de seus próprios mortos. Daí os chefes da fabricação queriam eliminar o descobridor para não espalhar a notícia da dura realidade: a não existência de mais alimentos no planeta. Será que ainda neste século chegaremos a esse ponto?
Artigo: A fome nossa de cada dia
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