NO REINO DE BACO



A história do Brasil e a Música Popular

Marco Antônio de Oliveira

Jornalista e escritor

Os historiadores Wellington Borges Costa e Luciana Salles Worms pesquisaram as letras de 137 canções que tratam, com ironia e poesia, de momentos da vida social e política do País. O livro "Brasil Século 20 -Ao Pé da Letra da Canção Popular"(Nova Didática, 200 páginas, R$34) é o fruto desta pesquisa envolvente e esclarecedora de letras das músicas do nosso cancioneiro popular. Uma das primeiras músicas citadas é "Pelo Telefone", considerado o primeiro samba gravado em disco no Brasil, em 1917, e a última é "Pela Internet", que Gilberto Gil lançou em 1997, homenageando justamente aquele samba histórico. A pesquisa vai dos primórdios da indústria fonográfica, com o gramofone, até chegar aos sofisticados CDs da era digital, passando pelo rádio e tevê. Luciana e Costa dividiram o livro em cinco capítulos, combinando a evolução do violão e da guitarra com os principais acontecimentos políticos e sociais do País.
A música "Maldito Telefone" retoma o início do século para explicar a ascensão e queda da Velha República e o início da indústria fonográfica no País, justamente com "Pelo Telefone", de Sinhô. Enquanto Getúlio Vargas liderava a Revolução de 30, Ismael Silva, pouco antes, promovia uma revolução ao organizar uma escola de samba, um tempo em que portar violão dava cadeia - o tema preferido das músicas era a malandragem, com destaques para as composições de Noel Rosa. Aqui, entre parênteses, é bom lembrar que também foi lançado recentemente o livro de Guca Domenico, O Jovem Noel Rosa (Nova Alexandria, 160 páginas, R$21,00) , que aborda a vida do poeta de Vila Isabel e traz caricaturas da época, fotos e letras cifradas de dez dos maiores sucessos de Noel, entre eles "As Pastorinhas", Feitiço da Vila, Gago Apaixonado e Três Apitos. O capítulo sobre a ditadura do Estado Novo(1947-45) e seus principais sustentáculos, como o Departamento de Imprensa e Propaganda(DIP), pregava o ufanismo e procurava riscar do mapa a figura do malandro tão bem retratado por Noel Rosa. Deposto em 45, Vargas voltaria ao poder cinco anos depois, pelo voto popular, fato comemorado por músicos como Haroldo Lobo e Marino Pinto, autores de "Retrato do Velho", uma saudação gravada por Chico Alves. "Mas a boa relação dos artistas com o poder durou até o governo de Juscelino Kubitscheck, o presidente bossa nova", como comenta uma das pesquisadoras Luciana Salles Worms. "Com o golpe militar, em 1964, a classe artística passou a contestar por meio de sua arte". A música de protesto, a jovem guarda e o tropicalismo dividiam os gostos e as atitudes dos jovens dos anos 60. Surgem os festivais da canção e nomes como Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Depois do período ditatorial, vem a transição democrática dos anos 80. Já nos anos 90, com a popularização do CD, os músicos retomam as críticas ferrenhas contra os políticos (em Presidente Mauricinho , Lobão retrata Fernando Collor).
Vale a pena conferir a leitura desta obra indiscutível que enriquece o estudo dos fatos sociais e políticos no século 20 revelados pelas letras de canções populares.
É de se notar que nesses últimos anos vem sendo editados mais e melhores livros sobre música popular do que em qualquer outro tempo. O sucesso da empreitada contagiou a indústria livreira, que produziu marcos importantíssimos, como a biografia de Noel Rosa, de João Máximo e Carlos Didier, Ernesto Nazareth(Pioneiro do Brasil) de Haroldo Costa,” Noites Tropicais”(bossa nova) e “Vale Tudo”(sobre Tim Maia), de Nelson Mota ,” Chega de Saudades”, de Ruy Castro, “Hello, Hello Brazil”, de Bryan MacCan, etc. Também as dissertações de mestrado tratando da música popular e seus personagens se multiplicaram, e cresceram em qualidade - um destaque para o estudo de Wilson Simonal pela jovem formanda em jornalismo Mônica Herculano. Chico César, de 41 anos, compositor e cantor paraibano, que tem assumido um radicalismo contra a grosseria que contamina a cultura do país, lançou um Compacto simples, que traz as canções-manifesto "Odeio Rodeio" e "Brega". Também nesta semana chega ao mercado fonográfico do país, o novo álbum do compositor, "De uns tempos pra cá", pela Biscoito Fino, em que ele diz que seu novo disco é um "grito de alerta para que se respeite a alma do Brasil". Ele decidiu gravar neste CD o repertório censurado pela ditadura militar. Então, estamos todos resgatando assim os nossos méritos musicais e a valorização de nossa cultura que dignificam a Nação Brasileira.

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