ARTIGO


O cinema político brasileiro

Marco Antônio Soares de Oliveira
Jornalista e escritor

Encontra-se no Brasil, mais precisamente em S. Paulo, o editor da revista francesa “Cahiers du Cinéma” (Cadernos de Cinema), Jean Michel Frodon, que ministra palestras sobre o cinema político. Como ele mesmo diz, em entrevista a Reali Jr., correspondente do “Estadão” em Paris(27/agosto), que pretende fazer é uma tentativa de comparação da relação entre política e cinema na Europa e nos Estados Unidos”. Mas acabou também falando sobre o cinema brasileiro, dizendo que a melhor fase do cinema político brasileiro foi a de Glauber Rocha (Deus e o diabo na terra do Sol) e de Ruy Guerra (Os Fuzis). Aproveitamos o ensejo para falarmos sobre as fases políticas de nosso cinema.
O filme “Terra em Transe”, de Glauber, em abril de 1967, foi proibido em todo o território nacional, por ser subversivo e irreverente com a Igreja. Depois de liberado o filme foi premiado no mundo inteiro. O próprio diretor Glauber Rocha em próprio depoimento diz que “É um filme sobre o que existe de grotesco, horroroso e podre na América Latina. Não é um filme de personagens positivos, não é um filme de heróis perfeitos”. “Os Fuzis”, de Ruy Guerra, foi anterior ao Terra em Transe, de 1963. O filme retrata um bolsão de fome no Nordeste, quando um grupo de soldados e um motorista de caminhão tentam impedir que a população faminta da seca no sertão da Bahia invada e saqueie um depósito de alimentos. Depois de muita indecisão, o motorista acaba por incitar o povo a invadir e acaba sendo morto por um soldado. Outros filmes da década de 60 também abordam o mundo político como “As Armas”, de Rubem Biáfora; Capitães de Areia, de Hall Bartlett, baseado no romance de Jorge Amado; filmes de Nelson Pereira dos Santos “Vidas Secas”(64) e “Memórias do Cárcere”(84) delatam a situação política no país. Na década de 90 foram lançados os filmes: Terra Estrangeira (95) de Walter Salles, que conta uma história que possui uma ligação indiscutível com a realidade brasileira. A narrativa à moda da História Imediata, é ambientada num momento particularmente da história recente do Brasil: o Plano Collor. Todos nós sentimos bem de perto seus efeitos catastróficos. Em 1996, Monique Gardenberg produziu “Jenipapo”, que conta uma história de agradável “sabor regional” enveredando também pela política tendo como fundo temático a reforma agrária e a Igreja Católica. “O que é isso Companheiro?” (de 1997), de Bruno Barreto foi baseadop no livro de Fernando Gabeira retratando o tumultuado mês de setembro de 1969 dos tempos do AI-5, agitação estudantil e guerrilha urbana.
Recentemente foram lançados filmes que fazem alusão ao estado de corrupção que se formou em Brasília, como “Brasília 18%”, de Nelson Pereira dos Santos, e “Bens Confiscados”, de Carlos Reichenbach. O escritor, roteirista João Batista de Andrade pode ser também ao lado de Nelson Pereira dos Santos, um dos cineastas mais engajados politicamente. Reúne uma vasta produção de documentários e ficção, todos com temas ligados à ditadura e política. Um deles, “Doramundo”, sobre o Estado Novo, foi produzido em 78 e premiado em Gramado. Ainda produziu em 81, “O Homem que virou Suco”, “A Próxima Vítima”(82) sobre a relativa abertura política, e “Céu Aberto”(86), que retrata a morte de Tancredo Neves. Depois de seus filmes terem retratado em 87 o tenentismo e rememorado em 2005 a morte do jornalista Vladimir Herzog nos porões do DOI-CODI, o cineasta volta ao período da ditadura com “Veias e Vinhos”, uma adaptação do romance do escritor goiano Miguel Jorge baseado em fatos reais ocorridos em Goiânia, em 1950. Na época, desconhecidos invadiram uma casa e mataram um casal e seus cinco filhos, deixando viva apenas uma menina de dois anos. Manipulados por políticos, o crime continua sem solução e deixou moradores em pânico ao tentar produzir culpados às custas de torturas policiais.
Tema semelhante é o que tratou o diretor Sérgio Rezende (O Homem da Capa Preta, Lamarca), “Zuzu Angel”, em que descreve a luta de Zuzu, a coragem daquela mulher pelo direito de saber toda a verdade sobre a morte do filho. Ela iniciou uma batalha de cinco anos, primeiro para tentar encontrar o filho. Ao mesmo tempo gritava contra a ditadura e a favor das liberdades. Ela foi calada pelo aparato político quando perdeu a vida num túnel no Rio de Janeiro que hoje se chama justamente Zuzu Angel. Durante anos o motivo da morte da estilista era apenas um acidente de carro. Hoje o Ministério da Justiça reconhece que Zuzu foi vítima de um atentado. A personagem de Zuzu é vida na tela pela impecável atriz Patrícia Pillar (da novela Sinhá Moça) e o filho Stuart Angel Jones, que era militante político, entrou na luta armada e acabou sendo preso em 1971, é interpretado pelo ator Daniel de Oliveira (da novela Cobras e Lagartos). A filmagem de Zuzu Angel custou 6 milhões e meio de reais, mas já está em cartaz nos cinemas há mais de dois anos com retumbante sucesso. Já nos cinemas do país, o filme “Tropa de Elite”(2007), dirigido por José Padilha, que tem como tema o Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, recebeu o prêmio “Urso de Ouro” de melhor filme no Festival de Berlim 2008. Ao ccriticar duramente os usuários de substâncias ilícitas, atribuindo-lhes culpa pela expansão do tráfico de drogas e da violência, o filme gerou grande debate na mídia brasileira. As práticas de torturas por parte dos policiais lembram-nos os anos de chumbo da ditadura militar. O filme hoje já foi visto por mais de 12 milhões de brasileiros. O elenco contou com Wagner Moura e Caio Junqueira nos papéis principais.

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