Artigo: A globalização e a língua


Marco Antônio Soares de Oliveira
Jornalista e escritor



O brio americano foi ferido profundamente com os ataques terroristas ao World Trade Center, que até cenas em que aparecem as torres gêmeas (Felicidade, Histórias Proibidas, Refém do Silêncio entre outros) foram suprimidas para apresentação dentro do Festival de Cinema de Nova Iork, que já não mais tem o seu prefeito seduzido pela brasileirinha expatriada. O WTC também foi sacrificado em outro lançamento, a comédia Zoolander, com Bem Stiller interpretando um top model de baixo QI que é metido numa trama de assassinato do presidente da Malásia. Ironia em relação aos ataques terroristas que baixaram a crista do Império norte-americano e do presidente Bush, que como um cão hidrófilo ainda vocifera guerra. Horas depois de sua furiosa fala no Congresso, ele desfilou pelos jardins da Casa Branca gestualizando com uma das mãos um tiro de revólver e trazendo um livro debaixo do braço. O jornalista Sérgio Augusto, no Estadão de 29 último, pág. D7, diz “Estaria tentando forjar para si próprio a imagem de um caubói intelectual e humanista? O único caubói intelectual que conheço é o ator e dramaturgo Sam Shepard. Talvez seja mais fácil o Taleban permitir que suas mulheres andem nas ruas de biquíni do que Bush virar um intelectual humanista. Até ontem, ao menos, ele continuava falando como sempre falou. Ou seja, como Bruce Willis - razão pela qual já lhe deram o merecido apelido de Bush Willis”.
O fim da inocência dos americanos é outro tema que escritores, poetas, artistas e pensadores têm discutido com enorme frequência. O poeta polonês Czeslaw Milosz, Nobel de literatura em 1980, incomodava-se à beça com a vocação para avestruz dos americanos, com sua crença de que nenhuma desgraça, salvo as naturais, podia atingi-los, pois Deus tomaria sempre conta da redoma, cuidando para que as bombas caíssem sobre outros lugares e outras gentes. Ainda diz o jornalista Sérgio Augusto: A redoma quebrou, explodiu, a inocência pode ter acabado, mas a arrogância, infelizmente, permanece intacta.” E a respeito da supremacia do inglês , tão largamente copiado no Brasil, continuaria?
John Naisbitt, notário consultor de Cambridge, em seu Paradoxo Global dedica um capítulo inteiro à questão do idioma, demonstrando como, ao mesmo tempo que o inglês torna-se instrumento de dominação econômica e cultural sobre o mundo, povos e nações adotam a defesa do idioma como instrumento de resistência contra a globalização asfixiante e empobrecedora. Vale a pena transcrever o trecho no qual ele fala da Islândia: “Alguns vão bastante longe à defesa de seu idioma. Ninguém vai mais longe do que o povo da Islândia. Todo islandês fala o inglês como segundo idioma e a maioria também fala outros idiomas. Contudo, eles protegem ferrenhamente a pureza do idioma islandês. Caso surja uma palavra nova, como “software” ou “nanossegundo” um comitê decide que palavras e sons islandeses devem ser reunidos para representar o objeto novo ou a idéia nova. Inexistem sons não-islandeses no idioma desse povo cujo número atinge apenas 250 mil pessoas. É digno de menção que a Islândia possui, também, o mais antigo governo democrático (parlamentarista) do mundo e a taxa de alfabetização mais elevada”.
Será que aqui em nosso País, imitaríamos a Islândia ou continuamos presos ao umbigo dos States?
Aldo Rebelo, deputado federal pelo PC do B apresentou um Projeto de Lei de no. 1676/99 na Câmara dos Deputados, anos atrás,que dispõe sobre a promoção, a proteção, a defesa e o uso da língua portuguesa. A proposta recebeu o apoio de simples cidadãos que amam seu idioma e querem defendê-lo da saraivada de estrangeirismos que deformam a língua e truncam a comunicação do povo. O próprio deputado relatou que, em Brasília, um seu colega ligado aos lojistas do Distrito Federal disse-lhe que o batismo de lojas com nomes em inglês faz com que trabalhadores mais simples como entregadores chamem as lojas pelas cores com que são pintadas (rosa, cinza, azul) por não se arriscarem a pronunciar os estrangeirismos com que pos proprietários denominam seus negócios.
Em qualquer língua, as palavras nascem, morrem, mudam de sentido, são substituídas, cortadas, ampliadas. A língua acompanha a economia, a ciência, a organização da sociedade, os costumes, a política, os movimentos sociais, as revoluções. E como diz Aldo Rebelo: (pág. 68 a 70 - revista teoria e debate): Defender o idioma não é imunizá-lo dos empréstimos e incorporações necessárias à sua renovação. Mas é, ao mesmo tempo, cuidar de sua permanência e continuidade. A língua portuguesa padece atualmente do excesso de estrangeismos (principalmente do inglês) e do relaxamento das normas para inclusão de palavras e expressões no vocabulário nacional. A língua do país é o português, e não fosse um dever cívico defendê-la (art. l3º da Constituição - a língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil) é um prazer proteger um dos mais belos idiomas da humanidade.

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