No reinado de Baco
Marco Antônio Soares de Oliveira - Jornalista e escritor
Bandeira branca, eu peço paz... A música desfila na passarela do samba, da vida, passa por nossos corpos e nos seduz. Há um cheiro de pecado no ar... É carnaval! Baco reina. As divindades da mitologia greco-romana, Baco (deus do vinho) e Momo, dividem as honras nos festejos. Durante as comemorações, em Roma, acontecia uma aparente quebra de hierarquia da sociedade, já que escravos, filósofos e tribunos se misturavam em praça pública e promoviam uma verdadeira farra, onde ocorriam verdadeiros bacanais. As vestais se reuniam e esbanjavam aromas sedutores. Tudo se repete hoje. A palavra carnaval pode ter sua origem na expressão latina "carrum novalis", com a qual os romanos abriam seus festejos, ou na palavra "carnelevale", do dialeto milanês, que significa "adeus à carne" - uma alusão ao início da quaresma cristã. A arte milenar de origem faraônica realizada no verão, onde crianças e mulheres se reuniam com máscaras e corpos pintados, com o intuito de espantar os demônios que prejudicavam as colheitas eram realizadas pela coletividade.
Hoje, ao contrário, os homens chamam os demônios de saia e suam a camisa do prazer. Os arlequins e colombinas cruzam na passarela da avenida. Blocos fantasiados passam. Espalhados pelo chão, confetes dão conta da ilusão passageira. Pleno reinado de Momo, o rei da folia. As gazelas abrem alas e a fauna desfila no emaranhado da selva de pedra. As mesas estão cheias de copos cheios e homens vazios. O álcool destila os sonhos desfeitos. Amanhã é quarta-feira e a farra termina. Orfeus procuram dar as últimas cartadas. As Eurídices amontoam-se no canto do salão. O conjunto nos leva para a terra de Alá. Odaliscas induzem ao segredo do ventre desnudo. E eu me amarro no momento que se esvai, tentando agarrar algum confete colorido que me esconda da realidade do cheque voador, que amanhã eu possa cobrir. Suor e perfume gastos deixam a marca do pecado. Homens e mulheres se abraçam e caem pelas ruas. Amanhã de manhã o sol baterá em nossos rostos e mostrará os traços da orgia. E aí ressuscitaremos sacudindo a poeira de nossas fantasias. A boca seca nos empurrará para o pote da consciência despertada.
Rolam duas lágrimas dos olhos negros da dançarina. Parece até poema de Júlio Salusse: Os Cisnes. O namorado a deixou no meio do salão. Notei os pés da moça, que antes deslizavam suavemente. Os pés constituem uma espécie de feitiço. Imaginei escalar aquela cordilheira e cair prazerosamente no vulcão das sensações. A vida ainda nos reserva o caldo da esperança. Então assobiei a marcha da quarta-feira de cinzas.
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