A mitologia do preconceito lingüístico
Dalva Paiva é professora universitária de português
O que um professor de Língua Portuguesa mais ouve dos seus alunos são frases como: português é muito difícil e brasileiro não sabe português. O lingüista Marcos Bagno, em seu livro Preconceito Lingüístico, refuta essas e outras idéias taxando-as de mitos. A principal justificativa para essas afirmações – infelizmente não veiculadas apenas pelo senso comum – é que o ensino da língua no Brasil sempre foi baseado na norma gramatical de Portugal e, portanto, somos obrigados ainda a decorar regras e aceitar usos que não correspondem à língua que realmente falamos e escrevemos no Brasil. Além disso, ainda vivemos sob a égide do complexo de colônia e achamos que a língua falada em nosso país é uma cópia imperfeita da língua falada em Portugal. Na verdade, a língua falada no Brasil é o brasileiro, como defendem alguns lingüistas, e por sermos falantes nativos dessa língua podemos dizer que a empregamos com naturalidade e conhecemos as regras básicas de seu funcionamento.
Outro ponto importante é o status que a gramática normativa ainda tem em detrimento das demais áreas de estudo da língua no âmbito escolar. Em decorrência disso, muitos professores lidam com a variedade lingüística de alunos provindos de culturas não letradas de forma preconceituosa, e gramáticos tradicionalistas, como iluminados, tentam convencer a população de que estão tentando salvar a língua da “decadência” e da “corrupção” usando de meios de comunicação para ganharem dinheiro a partir da propaganda da suposta “dificuldade” do português.
Há outra crença que contribui muito para o desenvolvimento do preconceito lingüístico que é a de que as pessoas sem instrução falam tudo errado. Tal crença provém da afirmação de que só existe uma língua portuguesa e esta seria a que é “ensinada nas escolas, explicada nas gramáticas e catalogada nos dicionários” e qualquer manifestação que fuja desta classificação é considerada “errada”, “feia”, “rudimentar”, “atrasada”, como afirma Bagno. Na verdade, a variedade padrão, ensinada nas escolas e cobrada pela sociedade, é apenas uma, dentre tantas variedades do português, que foi eleita por ser a variedade do grupo dominante, enquanto as demais foram relegadas à classificação de “não-língua”.
Para clarear um pouco esta idéia um bom exemplo é o do rotacismo, a troca de L por R em encontros consonantais, como em praca, chicrete, broco, pranta, Cráudia, grobo, ingrês etc. Na formação da língua portuguesa, o fenômeno lingüístico do rotacismo já ocorria em palavras que em latim eram com ‘L’ e em português passaram a ser faladas com ‘R’ como em, respectivamente: blandu/brando – duplo/dobro – esclavu/escravo – fluxu/frouxo – plaga/praga – glúten/grude/. É uma modificação que vem ocorrendo há tempos, mas os puristas continuam fortalecendo o preconceito em relação aos falantes!
Faz-se cada vez mais necessário e urgente, portanto, que sejam salientadas as questões ideológicas que estão subjacentes ao ensino de uma variedade lingüística e à sua eleição como padrão, já que vivemos em uma sociedade em que, contraditoriamente, temos uma minoria falante do suposto padrão determinando regras lingüísticas para a maioria falante das demais variedades.
2 comentários:
E o coitado do Cebolinha era quem pagava o pato...
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